*Por Neil Thurman, Sina Thasler-Kordonouri e Richard Fletcher
Embora algumas pesquisas mais amplas sobre como os jornalistas usam a inteligência artificial tenham sido realizadas, algumas entrevistaram principalmente os primeiros a adotar a tecnologia e outras não distinguiram entre o uso atual e o uso futuro planejado.
Então, decidimos pesquisar uma amostra representativa de jornalistas, no Reino Unido. Perguntamos sobre o uso real da IA por eles e suas redações, e como eles a percebiam e abordavam. Os resultados foram publicados em nosso relatório recente pelo Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo da Universidade de Oxford.
No geral, os resultados mostram que a maioria dos jornalistas (56%) usa IA profissionalmente semanalmente, incluindo 27% que a usam diariamente. Apenas 16% afirmaram nunca ter trabalhado com IA em uma tarefa jornalística.
Os 3 usos mais frequentes são para processamento de linguagem (transcrição, tradução e verificação gramatical). Essas tarefas podem estar no topo da lista porque os problemas de precisão associados à saída da IA provavelmente são menos preocupantes nesses contextos do que seriam para tarefas como a verificação de fatos.
No entanto, nossas descobertas mostram claramente que os jornalistas também estão usando IA para tarefas jornalísticas substanciais. Mais de 1/5 usa IA pelo menos mensalmente para “pesquisa de pautas” e 16% para “geração de ideias” e “geração de partes de artigos de texto”.
No outro extremo, a IA raramente é usada para geração de imagens estáticas ou vídeos.
Jornalistas do sexo masculino relataram níveis de uso de IA um pouco mais altos do que suas colegas do sexo feminino, e jornalistas mais jovens usam IA com mais frequência do que os mais velhos. Nossas descobertas também mostram que o uso de IA aumenta com a responsabilidade gerencial.
Parte da explicação pode ser que os usos feitos de IA por aqueles com mais responsabilidade gerencial estejam sujeitos a menos limitações do que os usos feitos por aqueles com menos. O uso de IA também foi associado a algumas das editorias em que os jornalistas trabalhavam.
Descobrimos que jornalistas de negócios usam IA com muito mais frequência do que aqueles que cobrem temas de estilo de vida.
Na pesquisa, pedimos aos jornalistas que nos informassem em quais formatos de mídia eles produziam conteúdo. Descobrimos que o fotojornalismo está associado a um uso menos frequente de IA.
Por outro lado, o envolvimento na produção de “gráficos, charges, ilustrações ou animações” está associado a um uso mais frequente de IA. Também descobrimos que quanto mais desses formatos de mídia os jornalistas produziam, mais frequente era o uso de IA. Eles podem estar recorrendo à IA para tentar reduzir a pressão de produzir jornalismo em múltiplos formatos.
Ou a IA pode estar permitindo que os jornalistas produzam em mais formatos.
Muitas vezes se sugeriu que o uso de IA no jornalismo aliviará os jornalistas de tarefas de baixo nível, liberando tempo para que trabalhem em tarefas mais complexas e criativas. Os resultados da nossa pesquisa não corroboram essas sugestões.
Descobrimos que os usuários mais frequentes de IA são mais propensos a acreditar que trabalham demais em tarefas de baixo nível. Uma explicação possível é que o uso de IA acarreta novas tarefas de baixo nível, específicas para IA, como limpeza de dados e verificação dos resultados da IA.
Outra explicação pode ser que jornalistas que sentem que trabalham com tarefas de baixo nível com muita frequência estejam usando IA com mais frequência para tentar aliviar esse aspecto de sua carga de trabalho.
Nossa pesquisa também mostra que usuários mais frequentes de IA não estão mais satisfeitos com a quantidade de tempo que dedicam a tarefas complexas e criativas, como entrevistas e investigações aprofundadas. Na verdade, os mais satisfeitos são os jornalistas que não usam IA.
Descobrimos que uma clara maioria dos jornalistas (62%) acredita que a IA representa uma grande ou muito grande ameaça ao jornalismo, enquanto apenas uma pequena minoria (15%) diz que é uma grande ou muito grande oportunidade. Apesar de jornalistas mais jovens serem mais propensos a usar IA, eles não a veem como menos ameaçadora ou mais promissora.
No entanto, a responsabilidade da gestão faz diferença. Aqueles em cargos mais seniores são mais positivos em relação à IA, embora ainda a vejam mais como uma ameaça do que como uma oportunidade. Jornalistas com maior conhecimento em IA também são mais propensos a enxergar a IA como uma oportunidade.
Mas as maiores diferenças estão relacionadas à frequência de uso da IA. Aqueles que usam IA diariamente são um dos poucos grupos que não têm uma visão extremamente pessimista sobre o impacto potencial da IA no jornalismo. Isso destaca a importância do uso da tecnologia na formação de atitudes.
Parte da ameaça percebida ao jornalismo representada pela IA são as potenciais preocupações éticas que ela levanta. Para aprofundar essa questão, perguntamos aos jornalistas o quão preocupados eles estavam com uma série de diferentes consequências éticas potenciais.
Os níveis gerais de preocupação são muito altas. Por exemplo, mais da metade afirma estar extremamente preocupada com o impacto negativo na confiança pública no jornalismo, na precisão e na originalidade.
A maioria dos grupos de jornalistas compartilha essas preocupações éticas. No entanto, existem algumas diferenças. A preocupação tende a ser maior entre aqueles com maior conhecimento em IA, mas menor entre aqueles que usam IA diariamente.
40% dos jornalistas que entrevistamos relataram que a IA não foi integrada aos processos principais de suas redações. Onde foi integrada, a integração foi, em sua maioria, limitada.
Apenas 11% dos jornalistas disseram que a integração da IA era “moderada”, e muito poucos a descreveram como extensa ou completa.
Observamos maior integração em veículos de notícias que fazem parte de conglomerados do que em veículos independentes. Os independentes podem ser mais flexíveis, permitindo que seus jornalistas adotem a IA de forma pontual. No entanto, os conglomerados têm maior probabilidade de implementar a IA em toda a empresa, devido à presença de equipes dedicadas à IA e mais recursos.
Embora as redações do Reino Unido tenham alcançado apenas uma integração limitada de IA, ou nenhuma, até o momento, os jornalistas acreditam que isso mudará no futuro. De forma esmagadora, eles acreditam que a integração de IA aumentará em seus principais veículos de comunicação.
Isso é ainda mais evidente entre jornalistas cujos principais veículos fazem parte de um conglomerado, em vez de veículos independentes.
A integração da IA nas redações traz consigo diversas questões práticas e organizacionais que os veículos de comunicação precisam considerar. Então, como as organizações de notícias estão abordando questões como diretrizes de IA, seleção de ferramentas e treinamento?
Cerca de 40% dos jornalistas do Reino Unido relataram que seus principais veículos de comunicação estabeleceram diretrizes para a maioria das questões que abordamos, incluindo supervisão humana, privacidade de dados e transparência. No entanto, menos jornalistas mencionaram a existência de diretrizes sobre viés da IA.
Cerca 1/3 (32%) dos jornalistas do Reino Unido relatam que suas organizações de notícias oferecem treinamento em IA. Jornalistas que trabalham para conglomerados são mais propensos a afirmar que suas organizações de notícias oferecem treinamento em IA (50%) do que aqueles que trabalham para veículos independentes (14%), provavelmente refletindo seus maiores recursos.
Na pesquisa, fizemos uma distinção entre ferramentas de IA desenvolvidas internamente e por terceiros. Considerando as habilidades e os recursos necessários para desenvolver IA, não é surpreendente que 57% dos jornalistas afirmem que seu principal veículo de comunicação utiliza apenas ferramentas de terceiros. Veículos independentes são mais propensos a usar exclusivamente ferramentas de terceiros do que conglomerados.
De modo geral, nossos dados mostram uma lacuna entre veículos independentes e conglomerados, uma lacuna que os jornalistas esperam que aumente. A menos que medidas sejam tomadas, veículos de notícias com menos recursos podem continuar a integrar menos IA, oferecer menos treinamento em IA para suas equipes e depender mais de ferramentas de IA de terceiros.
Texto traduzido por Janaína Cunha. Leia o original em inglês.
O Poder360 tem uma parceria com duas divisões da Fundação Nieman, de Harvard: o Nieman Journalism Lab e o Nieman Reports. O acordo consiste em traduzir para português os textos do Nieman Journalism Lab e do Nieman Reports e publicar esse material no Poder360. Para ter acesso a todas as traduções já publicadas, clique aqui.


