O impasse em torno do acordo entre a União Europeia e o Mercosul reacendeu, no Brasil, um debate que nunca foi plenamente resolvido: o papel da integração comerO impasse em torno do acordo entre a União Europeia e o Mercosul reacendeu, no Brasil, um debate que nunca foi plenamente resolvido: o papel da integração comer

OPINIÃO. O custo de persistir no fechamento da economia

2025/12/22 20:34

O impasse em torno do acordo entre a União Europeia e o Mercosul reacendeu, no Brasil, um debate que nunca foi plenamente resolvido: o papel da integração comercial internacional no crescimento da produtividade e da renda real.

A reação mais imediata — lamentar a posição europeia e aguardar um desfecho externo mais favorável — é compreensível mas insuficiente. Se há uma lição clara a extrair da experiência internacional recente, é justamente a oposta: esperar reciprocidade externa não pode ser um pilar relevante de uma estratégia de desenvolvimento.

Apesar dos benefícios inegáveis de um acordo com a União Europeia, a estratégia brasileira de aumento da produtividade e do crescimento da renda não deve se dar em prazos excessivamente dilatados — nem ser terceirizada à boa vontade de parceiros externos. A questão central não é se o acordo é desejável, mas se o País pode continuar condicionando sua agenda de transformação produtiva a um processo externo sobre o qual tem controle limitado.

A União Europeia discute hoje produtividade, competitividade e política industrial a partir de uma base muito distinta da brasileira. Trata-se de uma economia amplamente aberta e profundamente integrada ao comércio internacional e às cadeias globais de valor, ainda que com exceções relevantes e politicamente sensíveis — em especial a proteção agrícola, que permanece no centro das tensões do acordo UE–Mercosul. Os relatórios recentes liderados por Mario Draghi, pela OCDE e pelo BIS partem dessa realidade. Eles não propõem uma reversão da abertura europeia, mas discutem como economias já abertas vêm se adaptando e respondendo a choques geopolíticos e a mudanças no ambiente global.

É justamente por isso que esses relatórios deveriam constituir um referencial crucial para o debate brasileiro. Eles mostram que, mesmo em economias amplamente abertas, a concorrência internacional, a integração produtiva e a exposição contínua a tecnologias globais permanecem condições indispensáveis para ganhos sustentados de produtividade. Mostram também, ainda que de forma indireta, que políticas de fechamento adotadas em determinadas circunstâncias — frequentemente como respostas a choques específicos — não devem ser automaticamente imitadas por países em realidades distintas, sob pena de transformar proteção em custo autoimposto.

No Brasil, o contraste com esse debate é evidente. Enquanto economias abertas discutem como aprofundar os benefícios da integração, o País permanece entre as economias mais fechadas do mundo. Esse fechamento não é neutro nem defensivo no sentido virtuoso do termo: ele atua como obstáculo direto ao aumento da produtividade.

Ao restringir a concorrência, encarecer insumos e limitar o acesso a bens de capital, o fechamento reduz a difusão tecnológica, dificulta a integração às cadeias globais de valor e protege estruturas produtivas obsoletas. Em um mundo de rápida transformação tecnológica e de esforço de descarbonização, esse isolamento exclui o País das trajetórias de mudança estrutural mais dinâmicas da atualidade.

Não se trata de um fenômeno conjuntural. O Brasil atravessa um longo período de estagnação estrutural e, em setores cruciais da economia, de queda persistente da produtividade. A literatura internacional e a evidência empírica são claras ao mostrar que, em ambientes pouco competitivos e fechados, enfraquecem-se os mecanismos de absorção de tecnologia, realocação eficiente de recursos e aprendizado produtivo. Quanto maior a distância em relação à fronteira tecnológica, maior o custo de permanecer fechado — e maior o potencial desperdiçado da integração.

Apesar disso, parte relevante do debate brasileiro continua ancorada no argumento clássico das infant industries, frequentemente combinado com a exigência de reciprocidade como condição para qualquer avanço. O problema não está no argumento em abstrato, mas em sua aplicação permanente e mal desenhada.

No Brasil, a proteção raramente é condicionada a desempenho, quase nunca é temporária, e dificilmente é disciplinada por concorrência ou por metas claras de produtividade. Não por acaso, as indústrias supostamente “nascentes” raramente deixam de sê-lo, convertendo a proteção em estado permanente e travando o dinamismo produtivo.

Análises recentes no Brasil convergem com esse diagnóstico.

O trabalho do Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP) reforça, a partir de diferentes ângulos, que a política comercial e industrial adotada nas últimas décadas falhou em promover a modernização produtiva. 

Entre suas contribuições, destaca-se a análise que mostra como a persistência da proteção e o uso recorrente do argumento de infant industry desestimulam a competição e a inovação, além de apresentar propostas concretas para uma agenda de integração comercial mais eficaz. O trabalho recorre também a exemplos de setores de uso generalizado — como bens de capital e equipamentos de informática — para ilustrar como o fechamento encarece a difusão tecnológica em toda a economia.

A integração comercial impõe, naturalmente, ajustes. Esses ajustes tendem a se concentrar em grupos pequenos e organizados, formados por empresas e trabalhadores de setores até então protegidos, que enfrentam de forma direta e imediata a concorrência externa. Por serem grupos concentrados, com interesses claros e elevada capacidade de coordenação, tornam-se particularmente vocais e exercem forte pressão política — mesmo quando a liberalização é gradual, com cronogramas longos e previsíveis, e quando o desenho da política provê tempo significativo para adaptação. Nessas circunstâncias, é equivocado, ainda que retoricamente conveniente, sustentar que se trate de um choque abrupto ou inesperado.

Esse fato não deve ser ignorado, mas tampouco justifica o adiamento indefinido da integração. Ao contrário: reforça a importância de um gradualismo bem desenhado e previsível, que preserve a direção do movimento, reduza o risco de captura política e assegure sua viabilidade ao longo do tempo, sem perder de vista seus objetivos centrais.

Abordar o impasse UE–Mercosul sob essa ótica muda o enquadramento do problema. A recusa europeia em ratificar o acordo não invalida a necessidade de integração comercial brasileira — ela a torna ainda mais urgente. Em um mundo que volta a utilizar tarifas, subsídios e políticas industriais, a tentação de copiar medidas defensivas alheias é grande. Para um País ainda fechado e tecnologicamente atrasado, esse mimetismo tende a resultar em dor autoimposta.

A lição que emerge da experiência internacional é clara. Economias abertas discutem como avançar ainda mais; economias fechadas precisam, antes de tudo, integrar-se. Para o Brasil, isso implica encarar a integração comercial internacional — inclusive de forma unilateral e abrangente — como parte central de uma estratégia de aumento da produtividade e do crescimento da renda, ao mesmo tempo em que se repensa o Mercosul, transformando-o de uma união aduaneira rígida em uma área de livre comércio mais flexível e funcional.

Uma integração bem implementada continua sendo a medida mais poderosa para acelerar o crescimento da produtividade e da renda real no Brasil.

Daniel L. Gleizer é ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central e sócio fundador do Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP).

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